No meio do lixo eu vivo, aqui eu me crio, me faço e refaço! Eu luto pra viver sem saber por que, eu busco o ar na superfície, eu luto com animais por comida, eu bebo água suja pra não me deixar morrer, eu fico doente e meu organismo luta pra vencer a enfermidade, eu me mantenho sujo o tempo todo pra que os predadores não me vejam no meio do mato... Eu só não sei por quê!
Ontem eu estava com muita fome, e como sempre, saí do meu buraco pra procurar comida, desesperado, quando meu corpo já não podia agüentar. Andei pelo mato olhando tudo que pudesse ser comido, depois de um tempo, olhando, escutando, eu vi um rato se movendo sobre as folhas úmidas do chão, um rato pequeno e peludo, minha boca salivou, eu então me aproximei devagar, com todos os poucos músculos do meu corpo preparados para matar a qualquer custo em nome da minha sobrevivência. Em um movimento rápido eu o agarrei, em um reflexo ele me mordeu, se debateu e saltou para fugir, eu, de quatro como um lobo, o segui sem ligar para o sangue que fluía intenso de minha mão ferida. Cheguei a ter o rabo dele entre os dedos, mas ele fugia, eu gritava. Como uma fera, produzia sons que não sei de onde vinham, e buscava apanhar o roedor como se aquilo fosse tudo! Até que a sorte traiu o pequeno rato, que se viu encurralado em um paredão de pedra que não podia transpor. Ele ali, eu ali, nos estudávamos, ambos com os pelos do corpo eriçados pela adrenalina. O pobre animal estava agora me encarando, disposto a tudo pra salvar sua vida! Quantas vezes o bicho teria evitado predadores? Quantos desafios já enfrentara para salvar sua vida? Reparei que seu rabo rosado tinha a ponta quebrada, assim, virada pro lado, provavelmente uma cicatriz de uma batalha anterior. Ele me testava, indo de um lado para outro, tentando achar uma forma de sair, eu o acompanhava, até que ele, exausto e nervoso corre em minha direção, saltando e gritando. O animal pequenino na derradeira tentativa de salvar sua vida, acabou por enfrentar-me, mesmo sendo eu tão maior que ele e a derrota praticamente eminente, eu não fiquei atrás, e não me intimidei ou me assustei e com os dentes serrados e expostos fui de encontro e o agarrei no ar! Ele se debatia e mordia vários pontos da minha mão quase até o osso, mas eu não o soltaria mais. Apertei com toda minha força o corpo dele entre meus dedos e ele, aos poucos, foi deixando de morder, de se debater, de gritar, e apenas tentava respirar, expandindo e retraindo as minúsculas costelas dentro da minha mão. Completamente vencido e machucado ele ainda lutava como podia pra não morrer. Então, virei a cabeça dele para baixo, e cansado da batalha, acabei com tudo batendo com força contra a pedra. Olhei para baixo e não sabia mais distinguir meu sangue do dele. Antes de comer minha presa, olhei pra ele e me vi; morto, findado, acabado. Me perguntei se iria lutar tanto e tanto, para um dia simplesmente acabar.
Me perguntei. Sem resposta, me recompus, olhei em volta e lambendo minhas feridas e carregando minha comida voltei ao buraco.
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